sábado

Sociedade civil



Ouvi três pancadas fortes nas janelas do rés-do-chão. Como o meu pequenito estava naquele momento sozinho na sala, corri para acudir. Ao afastar o cortinado, dei de caras com dois olhos enormes num rosto envolto num turbante. Devo ter feito cara de espanto, mas ele não e naturalmente avançou: que os filhos estavam com fome. E levantou uma das pernas, mostrando o pé descalço.
Não é a primeira vez que sucede comigo, não será a última vez, não nesta casa. Depois de uma breve conversa à porta, recolhi o que me foi pedindo e me fui lembrando. Sapatos, cobertor, colchão, pão, carne congelada, fruta, bolachas, iogurte, tacho, colheres.
Quis saber mais e perguntei. A família - mulher doente e três filhos pequenos - está "alojada" na estação de caminhos-de-ferro e a precisar de ajuda.Vieram da Roménia, mas nem pensar em ir à GNR. Esses não ajudam. Sugeri a igreja: é longe? perguntou, com ar de descrédito. Nem insisti. Sei que as portas estão quase sempre fechadas.
Enquanto dava e o homem recebia e arrumava, os rostos habituais da vizinhança espreitavam pelas portas e janelas semicerradas. Não estranhei e continuei.
Ontem, na Feira de Chocolate, uma das organizações sem carácter lucrativo desta nossa Vila Morena, Age GDL, matou a sede dos convivas, vendendo ininterruptamente copos de cerveja. Se o trabalho de angariação prossegue, os fundos devem ser reais.
Onde está a Sociedade Civil? Julgava que em cada um de nós havia pelo menos um pouco (para dar).

Sem comentários: